Uma característica marcante dos formandos de 2005 era a frequente entoação de gritos de guerra. Não foi uma única vez que a minha turma ouviu professores dissertarem sobre a impossibilidade da formulação de uma única frase completa sem que uma das palavras viesse acompanhada de uma manifestação em uníssono em resposta, seguidas de sonoras gargalhadas do Leporace, que iniciavam um pequeno período de euforia.
Nunca entendi porque nossos gritos de guerra eram tão malvistos pelos nossos mestres, afinal eles só demonstravam a união dos alunos. Ninguém pede silêncio durante o Hino Nacional. Quando centenas de torcedores começam a esgoelar-se cantando músicas de apoio ao seu time, não vejo ninguém no estádio reclamando que quer ouvir o jogo. Acho extremamente improvável que Paul McCartney, ao coro da platéia no final de Hey Jude, peça um pouco de paz pra afinar o seu "la la la". Se todos têm seu modo de expressão sonora, por que não podíamos ter o nosso?
Sem contar que nossos gritos não apenas explicitavam a nossa união, mas também eram homenagens a nossos colegas. Na turma 31, que era onde eu estudava, cada um, em sua maioria, tinha um som ou palavra característica, e sempre que houvesse alguma alusão a ela, por mais singela que fosse, seria seguida de uma sincera manifestação de afeto ao companheiro de turma. Obviamente, sem nenhuma intenção de de exposição ao ridículo. Não existia sacanagem entre colegas de turma. Para citar alguns exemplos, posso falar das incessantes do sobrenome do Sobral cada vez que aparecia um triângulo na lousa, ou algo que nos remetesse ao físico musculosso do mesmo, os gritos de "DE-MÔ-NIO" sempre que houvesse alguma conversa que adentrasse o assunto da religião. Mas nenhum marcou tanto quando o grito que era dirigido ao João Gabriel.
Pensando sozinho eu lembrei que esse costume de espasmos sonoros unidos remete a tempos primários. Literalmente. Na verdade, as manifestações conjuntas era um comportamento observado desde que eu cheguei no colégio. Na quarta série, assim que eu cheguei, inventaram a brincadeira das bombas, que se passava assim: aproveitando a organização digna de um professor primário no que se diz ao ritual de como começar a aula, que se inicia pelo modo de apagar o quadro-negro, desenhávamos uma bomba, de preferência, com um pavio brm grande, que cruzasse o quadro todo. Quando o professor começasse a apagar o pavio, a turma toda batia nas mesas, até o apagador encontrar a bomba, que explodia junto com a turma, em meio a gritos e a uma imensa algazarra. Na quinta série, a tradição de externalização do pensamento coletivo começou com o grito "MILKY!", cuja origem é desconhecida por mim. Eu mesmo era alvo constante das chacotas uníssonas da turma através da repetição com uma voz fina. Sem nenhuma intenção de chacota, como sempre. Musiquinhas também foram criadas para ser cantadas pelas turmas, mesclando a nossa capacidade de paródia e domínio da linguagem musical. Chegado o Ensino Médio, a palavra de ordem era simplicidade. O nosso poder de sintetização era tamanho que através de uma única palavra podíamos dizer muito mais do que mil imagens, o que dava margem para a criação de inúmeras manifestações que eram injustamnete malquistas por nossos professores.
O ponto é que a entoação desses gritos eram muito mais do que uma simples zoação entre um bando de homens que não precisavam se fingir de sérios, ou ao menos de pouco babacas para as meninas. Eram sinal de uma notória cumplicidade que havia se instalado entre aqueles que se esgoelavam juntos, afinal, os mesmos que passavam manhãs, tardes e sábados gritando, sairiam nos sábados à noite juntos e continuariam juntos em mesas de bar, compartilhando histórias novas ou lembrando das antigas. Eram esses que não entregariam o amigo quando este fizesse uma merda, e o mesmo também se entregaria a partir do momento que isso fosse prejudicar a turma. A expressão de que todos estávamos unidos vinha em situações que muitos podem ver como afrontas à autoridade opressora, mas, na verdade, isso tudo era resultado dos laços criados após anos de convivência dentro de um espaço favorável para seu fortalecimento. Sempre que gritávamos juntos no meio de uma aula, na verdade estávamos explicitando uma faceta que na verdade era um legado beneditino, que é a cumplicidade. Essa que se extende não só aos que se formam juntos, mas também a todos que se formam naquela mesma instituição. Não foram poucas as vezes que eu ouvi portas de estágios se abrirem quando o entrevistado comunicava que havia se formado no São Bento, já que o entrevistador também estudara lá. Eu mesmo já ganhei Red Label e Absolut de graça em um churrasco devido a contatos beneditinos.
Uma vez a Eulália, salvo engano, nos disse que os alunos do São Bento formavam uma máfia, de modo que sempre que um de nós conquistávamos um lugar, a presença de outros era questão de tempo. Eu nunca duvidei disso, pois eu tinha noção da competência das pessoas que dividiriam a educação beneditina comigo, contudo, não tinha noçã da extensão da rede que eu tinha me inserido. Por essas e outras eu me lembro da turma gritando "João-Ga-Bguiel", mas, na verdade, vejo vários olhando para o mesmo futuro.
3 comentários:
[Peroni]
Muito bom!
Eu, como todo comentarista metido a crítico, antes de publicar esse texto em papel, tentaria achar tb espaço pra narrar e tentar traduzir os sons q surgiam no refeitório quando alguma bandeja caia no chão, afinal de contas, aquilo sim é q era ritmo. poucas baterias de escola de samba me arrepiaram da mesma maneira, claro q não havia madrinhas lá...
Começo o meu testamento (será?) concordando com o Dá-o-Ku-aê: a característica mais marcante da turma de 2005, sem dúvida, era a entoação dos gritos de guerra.
Afinal, o que são hordas de guerreiros incansáveis e sanguinários sem seus hinos de guerra a serem cantados a plenos pulmões até as gargantas secarem e as vozes ficarem roucas como a de Deus depois de beber 5 galões de Jack Daniels e fumar 7 maços de Malboro sem filtro (vulgarmente conhecido como Lemmy Kilmster)?
E os insultos fazem sim parte desse ritual que se repete desde as guerras medievais em que os embates eram prescedidos por emocionantes duelos verbais em que as qualidades de todas as gerações da família dos enimigos eram jogadas na lama sem piedade.
Afinal, em um colégio onde (utilizando palavras do próprio Deu-o-Ku-aê) "vai tomar no cu" nada mais é que um tenro "bom dia", eSplicitar as "qualidades" musculosas, orelhudosas, pneusosas, demoniacosas, voz-finosas, drogadosas, pé-de-canosas e, principalmente, jo-ão-ga-bi-gui-elosas, nada mais é do que uma singela eSpressão do nosso carinho (ou pelo menos, na maior parte das vezes).
Afinal de contas, somos mesmo "feios, sujos e mal-lavados" (by Tavares) e nos orgulhamos disso como todos os bons Trolls que se prezam!
E como bem disse o Está-dando-o-Ku-aê-nesse-eZato-momento, no começo, nossos cântigos não eram tão bem-vistos pelos professores. Mas isso também não durou tanto tempo assim. Basta ver o eZemplo do nosso querido Tião que, tendo conhecimento do nosso favoritismo por sacanear o maior dos lawbreakers benedas, fez questão de puchar o coro de lingua peguesa em sua própria aula!!!
Concordo novamente com o Não-consegue-nem-mais-sentar-aê quando ele diz que nossos hinos demonstravam nossa união. Afinal de contas, quem nunca abraçou um total desconhecido careca, gordo e suado que estava em pé ao seu lado no Maracanã em plena final de campeonato enquanto gritava o hino de seu time o mais alto possível como se fosse capaz de furar os tímpanos do Galvão Bueno (eu queria!).
Nosso cântigos tanto demonstravam nossa união que não se prendiam aos limites físicos das quatro paredes das salas de aula e, quase sempre, provocavam reações na sala ao lado que gritava de modo igualmente ensurdecedor.....o que em teoria era 31 e 32, virava 3o ano 2005 em questão de 1 grito!
Gostaria de complementar o post do Passando-hipoglos-aê relembrando também um gesto tão intrinsicamente relacionado aos nossos proferidos urros: os tapinhas.
Sempre que uma onda de gritos era iniciada quando era feita uma alusão (a mulher bigoduda do português da padaria que vai ver assitir Fluminense e Vasco na 2a divisão em 2009) a qualquer um de nossos benedas, o indivíduo citado era alvo de uma saraivada de tapinhas gentis (ou nem tanto) que açoitavam o pobre coitado, delatando ao professor a má fama com que a turma via o aluno que se debatia abaiCHo das mãos pesadas.
Desse modo muitos professores puderam saber quem era o ladrão, quem era o drogado, quem sou o cachaceiro, quem era o filho do tranca-rua, quem tinha cara de triângulo isóceles e quem era possuidor de um enorme PNEEEEEU DEEEEEE TRAAAAATOOOOOOOR!!!!!!!!!! (não que esse fosse difícil de se reparar).
Prolongo-me ainda mais comentando agora minha eSperiência pós-beneda. Até hoje, quando:
- em meio a uma acalorada discussão sobre futebol, pronuncio eSpressões como "joãozar" e todos ignoram por não entender
- berro "PORRA!!!" logo após o professor falar qq coisa sobre a década de 70 e os 60 alunos da turma me olham com cara de medo da minha psicopatice
- repito sozinho "SOBRAL!" logo após o nome de outro cara da minha turma e ele me olha nitidamente intrigado em porque eu o chamei se não queria falar nada com ele
É nesses momentos que, apesar de sozinho em meio a pessoas normais que não compreendem a insanidade e aleatoriedade de um eZ-beneda, me sinto ainda parte de um grupo que marcou história...senão pro mundo, pelo menos pra mim...
E TENHO DITO PORRA!!!!!!!
Abraço do Ogro a todos!
OI,Kauê!
Como gostei do que li por aqui da outra vez, resolvi voltar!rs
bjos
:)
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