terça-feira, 21 de outubro de 2008

Uníssono

Uma característica marcante dos formandos de 2005 era a frequente entoação de gritos de guerra. Não foi uma única vez que a minha turma ouviu professores dissertarem sobre a impossibilidade da formulação de uma única frase completa sem que uma das palavras viesse acompanhada de uma manifestação em uníssono em resposta, seguidas de sonoras gargalhadas do Leporace, que iniciavam um pequeno período de euforia.

Nunca entendi porque nossos gritos de guerra eram tão malvistos pelos nossos mestres, afinal eles só demonstravam a união dos alunos. Ninguém pede silêncio durante o Hino Nacional. Quando centenas de torcedores começam a esgoelar-se cantando músicas de apoio ao seu time, não vejo ninguém no estádio reclamando que quer ouvir o jogo. Acho extremamente improvável que Paul McCartney, ao coro da platéia no final de Hey Jude, peça um pouco de paz pra afinar o seu "la la la". Se todos têm seu modo de expressão sonora, por que não podíamos ter o nosso?

Sem contar que nossos gritos não apenas explicitavam a nossa união, mas também eram homenagens a nossos colegas. Na turma 31, que era onde eu estudava, cada um, em sua maioria, tinha um som ou palavra característica, e sempre que houvesse alguma alusão a ela, por mais singela que fosse, seria seguida de uma sincera manifestação de afeto ao companheiro de turma. Obviamente, sem nenhuma intenção de de exposição ao ridículo. Não existia sacanagem entre colegas de turma. Para citar alguns exemplos, posso falar das incessantes do sobrenome do Sobral cada vez que aparecia um triângulo na lousa, ou algo que nos remetesse ao físico musculosso do mesmo, os gritos de "DE-MÔ-NIO" sempre que houvesse alguma conversa que adentrasse o assunto da religião. Mas nenhum marcou tanto quando o grito que era dirigido ao João Gabriel.

Pensando sozinho eu lembrei que esse costume de espasmos sonoros unidos remete a tempos primários. Literalmente. Na verdade, as manifestações conjuntas era um comportamento observado desde que eu cheguei no colégio. Na quarta série, assim que eu cheguei, inventaram a brincadeira das bombas, que se passava assim: aproveitando a organização digna de um professor primário no que se diz ao ritual de como começar a aula, que se inicia pelo modo de apagar o quadro-negro, desenhávamos uma bomba, de preferência, com um pavio brm grande, que cruzasse o quadro todo. Quando o professor começasse a apagar o pavio, a turma toda batia nas mesas, até o apagador encontrar a bomba, que explodia junto com a turma, em meio a gritos e a uma imensa algazarra. Na quinta série, a tradição de externalização do pensamento coletivo começou com o grito "MILKY!", cuja origem é desconhecida por mim. Eu mesmo era alvo constante das chacotas uníssonas da turma através da repetição com uma voz fina. Sem nenhuma intenção de chacota, como sempre. Musiquinhas também foram criadas para ser cantadas pelas turmas, mesclando a nossa capacidade de paródia e domínio da linguagem musical. Chegado o Ensino Médio, a palavra de ordem era simplicidade. O nosso poder de sintetização era tamanho que através de uma única palavra podíamos dizer muito mais do que mil imagens, o que dava margem para a criação de inúmeras manifestações que eram injustamnete malquistas por nossos professores.

O ponto é que a entoação desses gritos eram muito mais do que uma simples zoação entre um bando de homens que não precisavam se fingir de sérios, ou ao menos de pouco babacas para as meninas. Eram sinal de uma notória cumplicidade que havia se instalado entre aqueles que se esgoelavam juntos, afinal, os mesmos que passavam manhãs, tardes e sábados gritando, sairiam nos sábados à noite juntos e continuariam juntos em mesas de bar, compartilhando histórias novas ou lembrando das antigas. Eram esses que não entregariam o amigo quando este fizesse uma merda, e o mesmo também se entregaria a partir do momento que isso fosse prejudicar a turma. A expressão de que todos estávamos unidos vinha em situações que muitos podem ver como afrontas à autoridade opressora, mas, na verdade, isso tudo era resultado dos laços criados após anos de convivência dentro de um espaço favorável para seu fortalecimento. Sempre que gritávamos juntos no meio de uma aula, na verdade estávamos explicitando uma faceta que na verdade era um legado beneditino, que é a cumplicidade. Essa que se extende não só aos que se formam juntos, mas também a todos que se formam naquela mesma instituição. Não foram poucas as vezes que eu ouvi portas de estágios se abrirem quando o entrevistado comunicava que havia se formado no São Bento, já que o entrevistador também estudara lá. Eu mesmo já ganhei Red Label e Absolut de graça em um churrasco devido a contatos beneditinos.

Uma vez a Eulália, salvo engano, nos disse que os alunos do São Bento formavam uma máfia, de modo que sempre que um de nós conquistávamos um lugar, a presença de outros era questão de tempo. Eu nunca duvidei disso, pois eu tinha noção da competência das pessoas que dividiriam a educação beneditina comigo, contudo, não tinha noçã da extensão da rede que eu tinha me inserido. Por essas e outras eu me lembro da turma gritando "João-Ga-Bguiel", mas, na verdade, vejo vários olhando para o mesmo futuro.