segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Modas, mesas e regras

Não diferente de vários colégios, no Colégio de São Bento existiam os ciclos de modinhas. Quando entrei lá, eu encarei essa realidade logo de cara. Meus primeiros dias como um beneditino foram marcados por olhares de repreensão por ser novo e péssimo jogador e entendedor de "tecobol". Tecobol, na verdade, era um jogo bem simples, que consistia em dar petelecos em uma moeda, de preferência de cinco centavos, geralmente emprestada pelo Edson ou pelo Marquinhos (que geralmente não eram devolvidas) na tentativa de fazer gols dentro de uma tábua repleta de parafusos que simbolizavam os jogadores de um time de futebol. Não era minha culpa se eu não conseguia apreender a dinâmica do jogo. Eu, carne nova no pedaço, ainda não entendia como funcionava a mente distorcida de um garoto nativo. Por isso eu não via porque um simples jogo que era facilmente explicado por "petelecos em direção ao gol" tinha que ser complicado com regras como "carregão só na área de defesa" ou "escanteio são oito toques". Mas ainda bem que a minha chegada coincidiu com o final dessa modinha, que emendou logo na volta dos RPG's, moda ditada pelos intocáveis alunos do 2º grau.

Esse exemplo foi só para mostrar como se davam as modinhas no colégio, que serviam geralmente para substituir o futebol quando esse era impossibilitado, seja pelo curto tempo disponível, como os almoços 11h30 (malditos sejam!), ou pelo clima desfávorável, ou ainda porque a bola fora isolada para a Marinha ou para a floresta. Meus pais diziam que essas modinhas serviam para gastar o dinheiro contado do mês com coisas inúteis, como cards, game boys, livros, etc. Eram pouquíssimos aqueles que, até a sétima série, trocavam o futebol do recreio do almoço por uma dessas atividades alternativas, e eu devo dizer que eu o fazia algumas poucas vezes, por não ser um bom jogador de futebol. As únicas ocasiões que era permitido matar o futebol eram nas épocas de prova, quando todos iam para um lugar que julgassem mais calmo dentro da imensidão do espaço escolar, então começava um desesperado estudo de véspera. Tal expressão era levada a um novo nível, já que os beneditinos não estudavam de véspera, mas sim de última hora. Última, no sentido mais imediato e desesperador da palavra. Excetuando-se situações como essas, o recreio do almoço destinava-se ao futebol e ao modismo da estação.

Contudo, entre tantas modas que se passaram, nenhuma me deixa tão saudosista quanto o Tablebol. Tablebol com letra maiúscula mesmo. Não com minúscula que nem o tecobol, porque o Tablebol era esporte quase olímpico e de uma classe digna de hipismo. Devo dizer que ele me fascina principalmente pelo caráter enigmático e misterioso que rondava o esporte. Até hoje eu reflito sobre o Tablebol com a mesma expressão de quando ouço o Obscured by Clouds do Pink Floyd. Nâo se sabe quem foi que criou o jogo, nem em que circunstância ele foi criado. Só se sabe que estava lá. O jogo é basicamente uma mistura de vôlei com tênis de mesa. Uma saudável disputa entre dois atletas ou duas duplas em cima de uma mesa circular que era dividida em dois semi-círculos com giz roubado de sala, que logo depois era utilizado para ser tacado no seu amigo. Então a bola começava a ser estapeada de um lado para o outro num rally em busca do ponto, alcançado sempre que a bola quicava duas vezes na mesa adversária ou quando a mesma quicava uma vez na mesa e a outra no chão.

Não posso esquecer de falar do outro grande mistério em torno do Tablebol: as mesas. Ninguém, que eu saiba, conseguiu descobrir direito o que aquelas eram de verdade. Sugeriu-se que fossem simples bancos, mas esses eram ásperos demais, e eu creio que isso seria tamanha maldade com os fundilhos dos alunos e também com as mães que teriam que costurar as calças rasgadas. Acho que as especulações minimamente plausíveis terminavam por aí. Agora começava a sacanagem inerente a qualquer menino de 12 anos. Já me disseram que era uma série de OVNI's pousados na Terra, o sistema de segurança máxima do colégio, entre outros. Uma vez lembro que suspeitei que era a saída de ar do pátio do quarto andar, então fui até aonde eu calculei ser a tal "saída de ar" e soltei belos flatos cujo odor forte vieram da comida do refeitório, enquanto um amigo averiguava se o cheiro era sentido de perto das mesas. Infelizmente, o experimento foi mal-sucedido.

Como já era de se esperar, vendo o novo jogo, os alunos começaram a criar variações para o Tablebol. Afinal, como no futebol, deviam existir vários modos de jogo que pudessem a se adequar aos vários momentos da longa estadia escolar. O futebol se desmembrava em: dois toques, golzinho, golzinho de praia, cruzamento, porradobol (o jogo mais bárbaro e anárquico), entre outros. O Tablebol começou a sofrer suas variações, como os diferentes tipos de bola, como a de tênis (a original), a de frescobol (só para profissionais, por quicar mais), a de vôlei e a de basquete (Tablebol Extreme). Sem contar as modalidades indoor, como o na mesa da sala, usando apenas o estojo como linha divisória da mesa, e também só valendo um toque, porque a mesa era menor. Mas nada supera o Tablebol na mesa do professor, que era o mais transgressor, por consequente, era o mais divertido. Além dos desvios do padrão, começou logo a criação de inúmeras regras, do mesmo modo que fizeram com o tecobol. "Não vale carregar", "Sem cantinho nem casquinha", "Não vale cortar - salvo o jogo com a bola de basquete"," saque com efeito não precisa cruzar", e principalmente a regra de ouro: quem desrespeitasse as regras contínuamente teria de resolver tudo na porrada logo após o sinal de alerta, o que também era corriqueiro em todos os esportes, e em todos os recreios.

Isso tudo me faz pensar. O Colégio de São Bento tem uma fama de ser uma instituição que preza por uma educação rígida e regrada, e isso é bem verdade, mas não é o que diferencia isso dos outros, já que muitos têm uma ótima escolarização. O aluno do São Bento gosta de regras. Mais do que isso. Ele necessita de regras, sejam elas criadas por ele ou não (vide as regras de convívio do colégio), não para que sejam seguidas, e sim para serem transgredidas. Afinal, tudo que é prazeroso vem com um pouco e culpa para um bom católico, e nada é mais prazeroso do que uma bela cortada com bola de frescobol, ou dar um teco a mais enquanto seu oponente desfia um belo papo.

Acho que o Tablebol foi uma fuga à regra do futebol, por um tempo.

domingo, 28 de setembro de 2008

PORRAAAAAAA ou No 225




Lendo um livro que continham crônicas que remetiam diretamente a uma rotina que eu me submeti durante um bom tempo da minha vida, tanto em qualidade quanto em quantidade, me voltou aquela necessidade de me exprimir me utilizando de letras em um papel. Não em um papel, mas sim em uma tela de computador. Tinha me esquecido o quão bom é jogar algumas palavras e organizá-las em um texto. Mas junto dessa necessidade, veio comigo uma clássica dúvida que permeia por todos os cronistas: sobre o que falar hoje? Destarte, vieram vários assuntos e ao mesmo tempo nenhum a minha cabeça. E até agora não tenho nenhuma idéia de assunto a tratar, afinal boa crônica é aquela que surge do ócio e da reflexão sobre o cotidiano. Foi assim que cheguei aqui em casa e resolvi juntar algumas letras. Sentei-me em frente ao computador, peguei um dicionário, que eu nem sei se vai ser utilizado, fiz uma playlist no Windows Media Player com Chico Buarque, Jacques Brel, Frank Sinatra e Otis Redding, e aqui estamos.

Não é nada mal começar pelo começo. Hoje estava eu no ônibus voltando da Barra, absorto na leitura que já disse acima, então um simpático velhinho sentou ao meu lado e quis puxar um papo, perguntando o que eu lia. Eu não sei porque, mas a maioria das pessoas olham para mim e tem uma falsa impressão de que eu sou simpático, enquanto apenas eu sei que eu sou apenas muito educado e não costumo deixar alguém falando sozinho, então para evitar essa situação que é um tanto chata, mas também sem puxar assunto para que eu pudesse ler meu livro em paz, eu respondi à simpática figura: “Eu estou lendo sobre a minha infância e a de outros que nasceram em 1983 pra cá.” Depois da resposta, o velhinho provavelmente se perguntara internamente da questionabilidade do meu estado de sanidade e queixara da nova juventude. Eu poderia responder que o livro que eu lia se chamava “Pula Pula Macacada, que amanhã não tem mais nada” e que dizia histórias de pessoas que sentaram nas mesmas cadeiras que eu sentei por oito anos da minha vida, e presenciaram vivências muito próximas das que eu vivi, e acima de tudo, sentiram muitas coisas que eu também senti, mas isso daria muito assunto e tudo que eu queria era um pouco de paz. Nada contra o sorridente senhor, mas não se deve incomodar alguém durante uma leitura ou uma audição de uma música. Entretanto, a pergunta do senhor e principalmente a minha resposta tinham me encucado com uma coisa: onde foram parar as minhas memórias? É fato que o jeito de como vivi desencadearam numa série de características que formularam o meu jeito de ser atual, mas onde foi parar o Kauê de cinco anos? E o de oito? E o de treze?

Depois que as minhas irmãs nasceram, eu voltei a viver uma infância. Duas, para ser mais exato. Na tentativa de mostrar para elas símbolos que me marcaram, acabei por relembrar e reviver muito da minha infância. Reli livros como “O Menino Maluquinho”, “ O Pequeno Príncipe”, tirinhas como as do Calvin e as do Charlie Brown, e vi assim que o tempo passou, todos essas marcas tiveram seu sentido mudados, mas sem perder aquele gostinho todo especial de infância. E assim relembrei de todos os Kauês que existiram até agora, e de todo o cenário que vinha junto a ele. Relembrar não. Eu revivi. Afinal, relembrar é viver duas vezes. E reviver isso faz com que tudo volte à tona, incluindo arrependimentos, saudades, felicidades e tristezas. No “Pula Pula Macacada”, a última crônica se chama “Valeu a Pena?” e o autor, que se eu não me engano é o Biules, ele se indaga e responde a pergunta-título no que refere ao estudar no Colégio de São Bento. Obviamente, eu também me fiz essa pergunta quando eu li o livro, mas agora, ao reler o livro algum tempo depois, eu me pergunto não só ao meu antigo colégio, mas sim a minha vida toda, tanto no momento que eu decidi aceitar minha família como minha quando era pequeno, quanto ao escrever esse texto nesse momento, ou até mesmo ao ter comido quatro pedaços de pizza fria agora a pouco. Mas não tenho coragem nem audácia de responder essa pergunta agora.

Agora, depois de já ter lido Carlos Drummond de Andrade, Veríssimo, Shakespeare, Durkheim, Rousseau, Marshall Sahlins, ouvido John Coltrane, Herbie Hancock, Stan Getz, Milton Nascimento, Tom Jobim e Chico Buarque, me lembro do garoto que leu “Guerra dos Botões” para o colégio ouvindo Foo Fighters e vejo que não existia como eles não se tornarem um, afinal ambos ainda compartilham sonhos, gostos, amores, sensações, e apesar deles não saberem, tem vezes que o menino sente o peso do mundo em cima das costas dele, e tem a força de um homem para segurá-lo, e o homem, quando é necessário, tem a inocência de um menino para agüentar os problemas do cotidiano. E ambos sempre tiveram a música e a escrita pra fugir.

E quem diria? Nós não precisamos nem do dicionário para escrever isso.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

28 anos.


28 anos sem Bonham


Quem diria? São 28 anos sem o melhor baterista do mundo.

Eu queria ter palavras pra falar do Bonham, mas eu não tenho.... Deixem ele falar!