domingo, 28 de setembro de 2008

PORRAAAAAAA ou No 225




Lendo um livro que continham crônicas que remetiam diretamente a uma rotina que eu me submeti durante um bom tempo da minha vida, tanto em qualidade quanto em quantidade, me voltou aquela necessidade de me exprimir me utilizando de letras em um papel. Não em um papel, mas sim em uma tela de computador. Tinha me esquecido o quão bom é jogar algumas palavras e organizá-las em um texto. Mas junto dessa necessidade, veio comigo uma clássica dúvida que permeia por todos os cronistas: sobre o que falar hoje? Destarte, vieram vários assuntos e ao mesmo tempo nenhum a minha cabeça. E até agora não tenho nenhuma idéia de assunto a tratar, afinal boa crônica é aquela que surge do ócio e da reflexão sobre o cotidiano. Foi assim que cheguei aqui em casa e resolvi juntar algumas letras. Sentei-me em frente ao computador, peguei um dicionário, que eu nem sei se vai ser utilizado, fiz uma playlist no Windows Media Player com Chico Buarque, Jacques Brel, Frank Sinatra e Otis Redding, e aqui estamos.

Não é nada mal começar pelo começo. Hoje estava eu no ônibus voltando da Barra, absorto na leitura que já disse acima, então um simpático velhinho sentou ao meu lado e quis puxar um papo, perguntando o que eu lia. Eu não sei porque, mas a maioria das pessoas olham para mim e tem uma falsa impressão de que eu sou simpático, enquanto apenas eu sei que eu sou apenas muito educado e não costumo deixar alguém falando sozinho, então para evitar essa situação que é um tanto chata, mas também sem puxar assunto para que eu pudesse ler meu livro em paz, eu respondi à simpática figura: “Eu estou lendo sobre a minha infância e a de outros que nasceram em 1983 pra cá.” Depois da resposta, o velhinho provavelmente se perguntara internamente da questionabilidade do meu estado de sanidade e queixara da nova juventude. Eu poderia responder que o livro que eu lia se chamava “Pula Pula Macacada, que amanhã não tem mais nada” e que dizia histórias de pessoas que sentaram nas mesmas cadeiras que eu sentei por oito anos da minha vida, e presenciaram vivências muito próximas das que eu vivi, e acima de tudo, sentiram muitas coisas que eu também senti, mas isso daria muito assunto e tudo que eu queria era um pouco de paz. Nada contra o sorridente senhor, mas não se deve incomodar alguém durante uma leitura ou uma audição de uma música. Entretanto, a pergunta do senhor e principalmente a minha resposta tinham me encucado com uma coisa: onde foram parar as minhas memórias? É fato que o jeito de como vivi desencadearam numa série de características que formularam o meu jeito de ser atual, mas onde foi parar o Kauê de cinco anos? E o de oito? E o de treze?

Depois que as minhas irmãs nasceram, eu voltei a viver uma infância. Duas, para ser mais exato. Na tentativa de mostrar para elas símbolos que me marcaram, acabei por relembrar e reviver muito da minha infância. Reli livros como “O Menino Maluquinho”, “ O Pequeno Príncipe”, tirinhas como as do Calvin e as do Charlie Brown, e vi assim que o tempo passou, todos essas marcas tiveram seu sentido mudados, mas sem perder aquele gostinho todo especial de infância. E assim relembrei de todos os Kauês que existiram até agora, e de todo o cenário que vinha junto a ele. Relembrar não. Eu revivi. Afinal, relembrar é viver duas vezes. E reviver isso faz com que tudo volte à tona, incluindo arrependimentos, saudades, felicidades e tristezas. No “Pula Pula Macacada”, a última crônica se chama “Valeu a Pena?” e o autor, que se eu não me engano é o Biules, ele se indaga e responde a pergunta-título no que refere ao estudar no Colégio de São Bento. Obviamente, eu também me fiz essa pergunta quando eu li o livro, mas agora, ao reler o livro algum tempo depois, eu me pergunto não só ao meu antigo colégio, mas sim a minha vida toda, tanto no momento que eu decidi aceitar minha família como minha quando era pequeno, quanto ao escrever esse texto nesse momento, ou até mesmo ao ter comido quatro pedaços de pizza fria agora a pouco. Mas não tenho coragem nem audácia de responder essa pergunta agora.

Agora, depois de já ter lido Carlos Drummond de Andrade, Veríssimo, Shakespeare, Durkheim, Rousseau, Marshall Sahlins, ouvido John Coltrane, Herbie Hancock, Stan Getz, Milton Nascimento, Tom Jobim e Chico Buarque, me lembro do garoto que leu “Guerra dos Botões” para o colégio ouvindo Foo Fighters e vejo que não existia como eles não se tornarem um, afinal ambos ainda compartilham sonhos, gostos, amores, sensações, e apesar deles não saberem, tem vezes que o menino sente o peso do mundo em cima das costas dele, e tem a força de um homem para segurá-lo, e o homem, quando é necessário, tem a inocência de um menino para agüentar os problemas do cotidiano. E ambos sempre tiveram a música e a escrita pra fugir.

E quem diria? Nós não precisamos nem do dicionário para escrever isso.

Um comentário:

Bruno Marconi da Costa disse...

Eu acho que "Valeu a pena?" é uma pergunta que tende ao arrependimento, por isso evito fazê-la... ou a faço com um "preconceito" bem saudável dizendo que "tudo sempre vale a pena."

E eu também não gosto de pensar no "não poderia ser de outra maneira", pois essa é a maneira que é, que existe, que nós escolhemos para a nossa vida e que o mundo nos criou. E este é o elo entre o Bruno/Kauê de antes e o Bruno/Kauê de agora. As nossas escolhas não mudam. Não podemos voltar e fazer outras, logo, somos produtos do que nós mesmos produzimos.

Tenho confiança e responsabilidade sobre minhas escolhas, tanto as de criança quanto as de agora. Claro que existem os erros, mas foda-se, sempre servem pra alguma coisa! No momento que escolhi eu tenho certeza que eu achava a melhor das n de escolhas possíveis.

Tudo vale a pena, para mim. Tudo.